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LIVRO - Apaixonado por Justiça: conversas com Sabine Rousseau e outros escritos, de Henri Burin des Roziers

segunda-feira 16 de abril de 2018, postado por Dial

 Comissão Pastoral da Terra, Comissão Dominicana de Justiça e Paz no Brasil, Editora Elefante
 ISBN: 978-85-93115-13-4
 256 p., R$ 20,00

“Eu sonho que os bens da natureza, terra, florestas, biodiversidade, córregos, rios, água, cessem de ser tratados como mercadorias. Eu sonho que cesse o culto ao bezerro de ouro. Eu sonho que a violência cega do agronegócio e de seus agrotóxicos, em nome do lucro a todo custo, seja realmente neutralizada antes que provoque uma tragédia humana. Eu sonho com Igrejas inspiradas pelo Espírito, fiéis ao Evangelho de Jesus de Nazaré, livres face às forças do poder do dinheiro, a serviço dos pobres, corajosas, sem medo de denunciar as injustiças. Eu sonho que a reforma agrária seja feita com justa distribuição de terras, e que se desenvolva a agricultura familiar, ecológica e sustentável. Mas eu sonho com os seres humanos que morrem de fome, as crianças de rua que são assassinadas a cada dia, as famílias que são cotidianamente expulsas de suas casas e de suas terras. Eu sonho que, quando morrer, eu seja enterrado no meio deles, no “meu acampamento”, e que, ao passarem, as crianças possam dizer: “Este é o túmulo daquele Frei Henri que lutava conosco pelo nosso direito à terra.” — Henri Burin des Roziers

Sumário

Prefácio, p. 7
Primeira parte - Conversas com Sabine Rousseau [1] , p. 14
Introdução à edição francesa
1. Raízes
2. Paris, primavera
3. Annecy, Verdade e Justiça
4. Brasil, Las Casas
Acampamento Frei Henri
Posfácio

Segunda parte - Outros escritos de Frei Henri , p. 164
Cartas aos amigos
Prêmio Ludovic Trarieux
Meu sonho
Terceira parte - In memoriam , p. 194
Frei Henri morreu
Frei Henri vive!
Marcos biográficos e históricos, p. 251

Prefácio

escrevo este texto na pequena cidade de figueirópolis, no sul do Tocantins, onde minha família vive desde 1986 e onde encontrei Henri des Roziers pela primeira vez. Ele visitou minha casa em companhia de nossa amiga comum, irmã Maria Luísa Pantarotto. Estávamos em 1989 e eu tinha apenas 16 anos. A figura esguia daquele homem, moldada pela elegância francesa que ele nunca perdeu e o sotaque forte que não conseguia deixar para trás, tiveram uma influência decisiva sobre mim. Embora eu não entendesse bem quem ele era ou o que fazia na minha casa, intuía que estava diante de um acontecimento importante — e estava feliz por poder vivenciá-lo. Desde então Henri foi uma fonte de inspiração. Persegui-o o quanto pude. Acabei envolvido com o mesmo grupo de Henri, seja na família dominicana, seja na Comissão Pastoral da Terra (CPT). Quando o líder sindicalista Expedito Ribeiro foi assassinado em Rio Maria, em 1991, e Henri estava ameaçado, eu fui, com um grupo de amigos, entre eles o Wilton Borges, passar uma temporada com ele e padre Ricardo Rezende no sul do Pará. Nem eu e nem os meus colegas sabíamos o quão profundamente marcados seríamos por aquela experiência — boa parte dela contada aqui pelo seu personagem central.

Henri não falava tanto, mas, entre destemido e persistente, trabalhava incessantemente. Parecia não se render nunca, e isso, aliado à gentileza e à severidade que lhe eram próprias, dava à sua presença um traço particularmente marcante.

Piso agora o mesmo chão onde Henri trabalhou durante parte de sua vida. No assentamento onde meus pais vivem, penso na importância desse homem para a luta pela democratização da terra no norte do Brasil, que contaram e contam muito com o trabalho da cpt e de gente como Maria Luísa, Xavier Plassat, Aninha, Sávio, Ildete, Adilar, Jaime, Trindade, depois a Lília, o João Xerri, o Zé Fernandes e todos os outros que viveram com o Henri as coisas que ele conta neste livro, e das quais, posso testemunhar, eles se orgulham imensamente. Todas essas pessoas lerão este livro como coautores. Penso nas coisas que terão a dizer, nos desdobramentos, nas memórias evocadas, nos objetos guardados e, principalmente, na emoção e nas lágrimas. Henri é, sem dúvida, a principal fonte de inspiração de um grande número de pessoas. Mas não só isso: ele é parte de uma rede, de gente que se inspira conjuntamente, que se encontra, que se anima e que anima o povo dessa região. Ao ler o livro, qualquer um sente como o espírito comunitário é importante para dar sentido e ânimo à vida de um homem. Embora atos individuais sejam indispensáveis no tipo de luta empreendida por Henri, eles não estão desconectados de outras iniciativas: são apenas nós de uma grande rede. Henri soube como ninguém que tudo o que somos é parte de uma história coletiva, produto de nossas relações e amizades. E soube, tanto quanto eu e você, que nossas vidas podem — e devem — ser mais do que uma experiência burocrática e isolada. Conforme lemos este livro, folheando as páginas e se emocionando com as histórias, amadurecemos a certeza e o desejo de que toda vida seja, sempre, uma vida política. Acho que isso está resumido no curioso verbo — de uso corrente entre militantes de direitos humanos brasileiros, e amplamente utilizado por Henri — “articular”, definido por ele mesmo como a capacidade de envolver outras pessoas e organizações para evitar o isolamento, e entender cada caso como detentor de um potencial político. Pensar no nó que amarra a rede. No fundo, Henri sempre quis viver a utopia de Montesinos e seus irmãos, naquela comunidade primeira, que converteu Las Casas, quem tanto lhe inspirou ao longo dos anos. “Eu tentei viver como ele”, Henri confessou previsivelmente nas últimas páginas deste livro.

Como resultado, esta obra evita o cabotinismo. Não quer apenas contar a história de um homem, mas de uma luta, na medida em que esse homem se envolveu em alguns dos episódios mais interessantes de seu tempo. Por ele, conhecemos a vida de outras pessoas, líderes políticos, religiosos, militantes, estudantes, jovens, pobres e operários, e, com eles, acessamos a história da própria época que os fez emergir como agentes de mudança. Ao dar-se a conhecer, Henri revelou os outros, contou a estratégia de sua luta, confessou dramas que são de todos os militantes, homens e mulheres que, como ele, revoltam-se contra as injustiças. Este livro, por isso, não é só indispensável por nos apresentar, em primeira pessoa, a luta de um homem contra a impunidade e a injustiça: é imprescindível porque conta a história das próprias lutas por meio das quais esse homem se tornou quem foi, junto com seus companheiros e companheiras, como parte da história mesma dos povos e das nações que ele conheceu, jogando novas luzes sobre capítulos importantes que, muitas vezes, permanecem desconhecidos.

E o faz — ato contínuo — não a partir dos vencedores, mas sob o olhar dos oprimidos. Afinal, o próprio Henri parece ter sido apenas um daqueles nós articuladores, unidos por fios infinitos.

É isso o que torna este livro importante e necessário. Um livro-diálogo, falado — e escrito — de forma direta, simples e elegante. Quase um tratado de militância, não uma arte da guerra, mas uma arte da luta, que revela um estrategista apaixonado pela justiça e, assim, ao mesmo tempo, furioso contra as injustiças.

Por isso, o que Henri conta aqui sobre sua estratégia de trabalho, que une a sensibilidade em relação às injustiças, a ação jurídica e a denúncia pública, serve como orientação para militantes, advogados e cidadãos que dividem com ele os mesmos incômodos, as mesmas indignações e a mesma vontade de mudar as coisas.

Em um dos trechos mais significativos do livro, o padre-advogado explicitou seu método: “Minha tendência sempre foi a de levar as lutas com esta dimensão, usar os processos como uma arma jurídica para fazer valer o direito e, ao mesmo tempo, usar o processo como uma arma política nas denúncias que fazíamos junto à opinião pública.” A sentença desvela a autoconsciência de um homem que fez de sua vida uma ferramenta de defesa da verdade, e que levou até o fim as consequências dessa opção, deixando os gabinetes da vida acadêmica e as burocracias conventuais para atirar-se na aventura da justiça, cujo símbolo máximo as páginas desse livro revelam. “O contato direto com as vítimas sempre foi fundamental”, declarou, acrescentando: “Eu acho que eu nunca fiz nada sem conhecer bem as vítimas.” Eis a coerência que preencheu o coração de Henri com a indignação, a compaixão e a coragem, algo que, afinal, torna esse livro uma aula de luta em favor dos direitos humanos, ou uma pregação lúcida e audaciosa, em uma Igreja cheia de fazendeiros.

O livro mostra, ainda, como Henri construiu uma ponte entre dois mundos, promovendo um encontro entre o estudante francês da Sorbonne de Maio de 1968 e o sem-terra do sul do Pará; fazendo com que os jovens katangais compartilhassem seus destinos com os jovens vítimas do trabalho escravo da Amazônia; com que advogados da região francesa da Haute-Savoie servissem de exemplo para os advogados do Norte do Brasil; com que os frades franceses se enxergassem em Tito de Alencar e nos jovens frades brasileiros que lutavam contra a ditadura; com que o humanismo cristão se encontrasse com a teologia da libertação; com que Congar, Chenu e o cardeal Arns sentassem à mesma mesa; com que o Centro Saint-Yves e a cpt se reconhecessem reciprocamente; com que a autoridade jurídica do advogado se unisse, afinal, à autoridade moral do religioso.

E tudo isso recusando colonialismos e eurocentrismos tão comuns nessa seara. Lendo este livro, entendemos que a fonte da experiência de Henri na França era a mesma das lutas que ele levaria adiante no Brasil, anos mais tarde. O livro evidencia que era o mesmo homem, a mesma teimosia, a mesma paixão pela justiça, a mesma esperança.

Exatos quarenta anos depois de sua chegada ao Brasil, e enquanto espalhamos suas cinzas sobre a terra que há de ser livre e plena de justiça, este livro nos oferece a imagem de um homem que não pertenceu a parte alguma e, precisamente por isso, foi capaz de imergir seus pés tão profundamente nas terras por onde andou, entre gentes pobres, pistoleiros e autoridades de todo tipo, sem vacilações. Como escreveu Octavio Paz, “quem viu a esperança não a esquece jamais”. Henri sempre teve ótima memória.

Como herdeiro da longa tradição da Família Dominicana, seu testemunho não é obra nativa: tem antiguidades de oito séculos. Ele leva a tocha que lhe foi transmitida pelos outros que o precederam e que, leitores, assumimos também para nós. Afinal, o mais importante do livro não parece ser a história do que Henri foi, mas a pergunta sobre quem nós podemos ser a partir dele.

Jelson Oliveira
Professor do programa de pós-graduação em filosofia da PUC-PR, leigo dominicano.

***

O texto desse prefácio foi escrito na pequena cidade de Figueirópolis, no sul do Estado do Tocantins, no meio do sertão, coração do Brasil, no dia 6 de julho de 2017, quatro meses antes do falecimento de Frei Henri, em Paris, em 26 de novembro. Quando leu este texto, Henri enviou um e-mail a Frei Xavier Plassat e a mim. Palavras tão generosas que merecem ser reproduzidas aqui, porque, afinal, revelam a magnanimidade, a modéstia e a gentileza que lhe eram próprias:

Caro Jelson. O prefácio que você escreveu para meu livro me comoveu muito! Eu também me lembro muito bem de nosso primeiro encontro na casa de sua família, em Figueirópolis, onde me acompanhou a irmã Maria Luisa Pantarotto. Essa lembrança lhe impressionou muito, como a mim. Dela nasceu nossa amizade e deve ser por isso que você me elogia tanto no seu belíssimo prefácio. Suas palavras são frutos dessa amizade que se ilude sobre as qualidades de seu amigo, mas elas são importantíssimas para mim porque são como uma meta espiritual que orienta a minha vida. Obrigado, querido cantor poético da nossa Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil!

Ora, aqui no livro, embora já falecido, Henri permanece vivo. Ler, afinal, é também ressuscitar. Suas palavras são evocação de memória, força de milagre. Para quem o conheceu, o livro traz saudade. Para quem não, que o livro traga inspiração.


A publicação pode ser adquirida nos seguintes locais e no site da CPT Nacional:

 Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil: (62) 3229-3014 | justpaz chez dominicanos.org.br
 CPT em Marabá: (94) 3321-2229 cptmabpa chez yahoo.com.br
 CPT em Xinguara: (94) 3426-1790 cptxgapa chez terra.com.br
 CPT Araguaia-Tocantins (63) 3412-3200 cpt.tocantins chez gmail.com

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[1O texto original da entrevista com Sabine Rousseau, em francês, foi publicado por Les Éditions du Cerf.

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